[A Fruta Maldita]

No entardecer da vida,

cansado, escabreado,

eu me sento no meio-fio de pedra preta...

Afasto ligeiramente as pernas

para que eu possa ver os pés

firmados lá.. lá embaixo, nas pedras da rua.

Para me arrasar de vez,

para acentuar a praga do mundo

caída sobre minha cabeça,

eu sinto falta da coadjuvância

de alguma coisa sem graça,

sem personalidade definida,

uma coisa que eu como sem ânimo...

Assim, para confirmar que eu

não presto para mais nada,

que estou no batente-de-fim-linha,

mas tenho um certo medo de morrer,

eu abro um saco plástico que está ao meu lado,

e, com a mesma disposição de um cão doente

que masca grama para em seguida vomitar,

eu começo, compulsiva e lentamente

a mastigar uma qualquer maçã...

Mordo sem querer, e sinto na boca

a acidez alienígena dessa fruta maldita...

[E para piorar, às vezes, eu como maçã

com café sem açúcar, sem adoçante!].

Se me indagam, eu respondo:

"é recomendação, faz bem aos velhos, viu?"

Eu sou especialista em fazer o que eu não quero,

eu me deixo levar por conselhos de preservar

aquilo a que nunca me acostumei: a minha vida!

E é assim, que invejoso, amargo,

vejo passar um jovem sadio, bonito,

e rogo a praga: "você há de terminar como eu,

sentado num meio-fio da vida, comendo

essa desgraaçaaa, essa maldita maçã!"

Nem dez terapeutas haveriam de me curar

dessa autoflagelação de comer maçã

ao cair da tarde! Só a morte!

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[Desterro, 18 de fevereiro de 2013]

Obs - Para evitar comentários vãos:

[Eu nunca vi frases

mais estúpidas que essas:

goste de si mesmo,

dê-se valor,

melhore sua autoestima...

E a mais estúpida de todas,

o oráculo do templo de Apolo:

"Conheça-te a ti mesmo" — informação inútil,

pois eu simplesmente não teria o que fazer

com esse tal "conhecimento"!]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 18/02/2013
Reeditado em 19/02/2013
Código do texto: T4146807
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