Mascarada tal judia às portas de Babilónia
No crivo aberto, tacteado a preto e branco na claridade
fragmentada da manhã, diminuem-se os cheiros apregoados
do Abril dos Cravos e das Buganvílias do Jardim.
Filtrada nas persianas semi-fechadas, a luz escorre
agora. Alva, tal leite derramado na noite que chora.
Olho as pregas enrugadas do meu corpo e sinto,
que não me habito mais. Que na matriz do vento,
a pele que me comprimia o sangue e a carne se esbateu.
Viajou perpetuada na voz veloz do silêncio.
A pele, essa, está agora sentada numa cadeira
desencaixada para lá da amargurada noite
e da elementar nascente de todas as fontes.
Fragmentada, num tempo onde reside um argumento
secreto de uma sépia película obliquada e sem sentido.
De um tempo não vivido. Distância entre o agora e o infinito.
Vejo-a mascarada tal judia às portas de Babilónia.
Ecoa em sinfonia estridente de serras, pinças,
martelos pneumáticos e mil demais instrumentos,
no incessante batuque das oficinas dos caldeireiros.
Nas narinas, agora, todos os bálsamos e cheiros ...
Os passos, os meus passos nos corredores ...
Os fumos da Oficina dos metálicos odores
A decapagem cáustica na profunda tina
dos mil tubos para as turbinas das centrais ...
E depois o abrasador calor do forno da fundição
E o cheiro acre e ardente das brocas mornas
com que os serralheiros esventram o ventre
do ferro mais quente... limas, limões, tornos,
serras eléctricas, bigornas ...
Tudo se agita no murmúrio da agonia,
trazendo à luz do dia o passado e o presente.
E andando com o filme de trás para a frente,
vejo nele uma mulher-menina, uma quase adolescente
a enfrentar, de cabeça erguida, a Vida ...
Esta que anda agora aqui sem ter rumo e sem destino,
no mais louco desatino ...
perdida dentro de si, na citadina Avenida.