NOITE

Quando o Sol se põe fatigado e morno!

Rasga-se o véu, no infinito ilusório.

Desnudando a vida, destampando as lixeiras...

E cintilam no zimbório, pontos de obscuridade,

De verdades, de trapaças, e de estigmas...

Tudo são enigmas, casos, acasos e cumplicidade.

E porque não dizer, poesias e fantasias...

Os viciados, os desvalidos gemem nos becos.

Nas esquinas evaporam as vidas, nas prisões...

Nos guetos institucionalizados, leiloam-se o pranto.

E o gozo alheio, são essas imagens refratadas.

Prazeres desenfreados nesse imenso picadeiro!

Nesse imenso teatro, como realidade de vida.

Nas ruas, os edifícios escalam o céu da indiferença.

Inertes, calados, frios, insensíveis, cegos!

Homens aparvalhados, e outros tantos apáticos.

Misturam o sangue, na mesma seringa comunitária!

A vivenciar ilusões idênticas, voos sem asas...

Há sim, na noite, desses cenários promíscuos.

E tudo é tão epiceno, quão conspurco e belo.

É tão soberbo e fascinante, quanto quimérico.

Os extremos se enleiam por inteiro e se percebem,

Tudo é mágico, e anfibológico, e catastrófico!

Tudo são trevas e claridade, tudo é abstrato,

Depende do ângulo que se observa a vida.

Há um combinado de mistérios puros e profanos.

De circo e realidade, há trapézios nessas avenidas...

E quem não se equilibra, se arrebenta, estatela-se!

E há uma cumplicidade pintada em cada rosto.

A revelar as mesmas cachaças, os mesmos porres...

Todos provam do mesmo tira-gosto, da mesma lasciva.

E do mesmo tempero, do mesmo sal e pimenta.

Uns leiloam a própria carne, como tira-gosto!

Outros cheiram para achar felicidade.

Tudo é tão papável, quão imaginário, quão utópico!

Tudo é inspirador, quão devasso e casto.

Lixo, luxo, zona, furor, mistura, vida!

Albérico Silva