Já não canto o Canto que me canta ...
Já não canto o Canto que me canta
nem sequer o grito que sufoco na garganta,
que perdi de mim geométricas fronteiras.
Nem sequer os sentidos me pertencem mais.
Não sinto dores. Não solto ais.
Canto o ruído das horas imperfeitas
O zumbido de obreiras abelhas, o cantar líquido
das estrídulas cigarras,
no restolho findo de searas imortais.
O gemido do rio comprimido nas margens
As doçuras amargas dos relâmpagos e trovoadas
O silêncio dos acordes dos galhos erguidos
açoitando os próprios vendavais.
O ondular das canas no oiro dos milharais
No espelho vermelho das águas, Duendes,
Magos, Druidas e Fadas...
Sou ave, água, árvore, esguia sombra de Lua...
Canto órfão, a Natureza inteira, na agitação
da dança Cósmica, orgânica e secreta.
Vogo em torno do fuso obtuso do Planeta.
Canto-a em cada fustigada silaba com que desenho
a ponto fino, os contornos dum mar de poesia.
Nómada, sigo sem tino, na pueril ousadia de,
neste caminho, me dar nua - que dispo a Alma -,
e nada sendo, ser apenas, andarilha, vate ou saltimbanca.
E assim no mimetismo, mulher, vegetal ou animal,
sou jogral, canto na rua!