AS HORAS
As horas são dois pássaros canoros
soturnos, intrincados, arredios
lustrando um universo de Ouroboros
as cartas que nas Parcas arcam fios.
Há taças de curare e de Oceano
a máscara Arlequim no gozo pleno
depois que no teatro desce o pano
e o Homem se disfarça num aceno.
Os braços brilham bilhas de água fresca
os pés quebram ogivas do Destino
a vista ruma à furna gigantesca
fundir o fenecer final do Hino.
Tristesse de Chopin, chão de Matisse
acordos entre a paz e o cravo rubro
esperam pela língua em que a blandície
é a maldição feroz do amor de Outubro.
Num solitário lábio fescenino
a babujar a boca que escancara
a intensidade além do beduíno
lambendo o sonho expulso do Saara.
*
Assim estava em transe quase dito
ou escrito entre coisas revolvidas
da lousa onde hoje esse granito
esquece minha vida em outras vidas.