Sombras...
Sombras...
A noite cai envolta em espessa neblina
Mal posso ver os olhos da terna menina
Que distraída carcome o segredo que a destrói
Desnudando a maldita consciência que tanto dói.
Sofre com a sombra que se agiganta dia a dia!
Que te faz ficar à míngua com uma grande nostalgia...
Enterrado em teu coração estão às trevas de outrora
Palpita ele em disritmia ao lembrar com ódio do facínora
Que te obrigou com arma em punho a matar a tua criança,
Desfazendo todo o amor e o transformando em vingança.
Pela noite escutas o choro e o riso que eram a tua alegria,
Hoje, só tem em teu ser uma enorme agonia.
A saudade e o remorso são como espinho a te ferir
Pareces mais uma alma penada, calada sem sequer sorrir.
Envergonha-te de ti mesma por ter sido tão fraca,
Mil vezes já pensou em colocar arsênico em tua taça...
E pelas noites, o teu próprio corpo abraça,
Pois não aguenta mais caminhar em tuas desgraças.
Uma réstia de luz em teu quarto de terror surge,
É o Senhor que sabe que o teu tempo de renovação urge
Placidamente Ele te estende um olhar de piedade,
Compulsivamente a dama chora com toda humildade;
Roga ao Senhor que a leve para junto de quem mais amou.
Com doçura Ele lhe diz: Vem, o teu tempo do teu sofrimento findou.
Jesus com mansuetude, joga sobre os seus olhos um branco véu
E assim, se dissipam as sombras e eles seguem felizes para o céu.
Sandra Galante.
(Série de estudo das falenas de Machado de Assis).
SOMBRAS
Machado de Asis.
Quando, assentada, à noite, a tua fronte inclinas,
E cerras descuidada as pálpebras divinas,
E deixas no regaço as tuas mãos cair,
E escutas sem falar, e sonhas sem dormir,
Acaso uma lembrança, um eco do passado,
Em teu seio revive?
O túmulo fechado
Da ventura que foi, do tempo que fugiu,
Por que razão, mimosa, a tua mão o abriu?
Com que flor, com que espinho, a importuna memória
Do teu passado escreve a misteriosa história?
Que espectro ou que visão ressurge aos olhos teus?
Vem das trevas do mal ou cai das mãos de Deus?
É saudade ou remorso? é desejo ou martírio?
Quando em obscuro templo a fraca luz de um círio
Apenas alumia a nave e o grande altar
E deixa todo o resto em treva, — e o nosso olhar
Cuida ver ressurgindo, ao longe, dentre as portas
As sombras imortais das criaturas mortas,
Palpita o coração de assombro e de terror;
O medo aumenta o mal. Mas a cruz do Senhor,
Que a luz do círio inunda, os nossos olhos chama;
O ânimo esclarece aquela eterna chama;
Ajoelha-se contrito, e murmura-se então
A palavra de Deus, a divina oração.
Pejam sombras, bem vês, a escuridão do templo;
Volve os olhos à luz, imita aquele exemplo;
Corre sobre o passado impenetrável véu;
Olha para o futuro e vem lançar-te ao céu.