CORDIALMENTE

CORDIALMENTE

“...há dois séculos, a natureza, que pouco

Tem a ver com o comércio, não tinha

Plantado ali nem a árvore do café nem

A cana-de-açúcar”¹

“Terra livre, homens livres”²

“Aqui não há mais cúmplices que tu e eu;

Tu por opressor, e eu por libertador,

Merecemos a morte”³

Sou a ânsia desesperada

Por voz na revolução

O olhar de fome sobre

A verde plantação

O milhar de falsos mitos

Para a colonização

Sou o cavalo espanhol

A nau capitânea

A mão ocupada com o ouro

distribuindo fé

Sou a bíblia, o Cristo

Imposto ao índio;

Que escravizou o negro

Sou o pelourinho,

Suor da senzala

Quilombo arrasado

Extermínio inca

A resistência da cor

Sou o homem que desmorona

Enquanto ergue prédios

O robô na linha de produção

Sindicato vazio,

A vontade do patrão

Sou o comodismo na miséria

A morte do sonho

Sou o Brasil, o hoje triste

sem sequer impressão de amanhã

Sou o que se olha

Sem coragem para ver

O livro agonizando impotência

Ansiando olhos, sobre a mesa;

A idéia plena, idealista executado

A cabeça de Tupác em Tinta

Balbuciando solitária:

“Camponês, o patrão já não comerá mais tua pobreza”

Sou o menino que será soldado

Que amanhã, na luta contra o povo,

Identificará, na multidão

O pai, o irmão, lutando por vaga na condução

na Central do Brasil

Sou o Exército inútil buscando guerra

O soldado inutilizado varrendo

Mil vezes o mesmo pátio da caserna

Sou o caro oficial preocupado com

A imperfeita continência

E de pouca serventia.

Sou o caderno estertorando

A igreja, exército de dogmas

Muro de Berlin derrubado

O encontro do homem com Deus

Dentro das palavras de Marx

“um mundo em paz com a natureza

Onde o homem faz para o homem

Sem saber que o faz para Deus”

Sou o tufão que destrói

A obstinação norte americana

De afrontar a natureza com tecnologia

Sou o tanque afrontado por um peito estudantil

Na Praça da Paz Celestial

E o tiro de fuzil retrógrado no peito da UNE

Sou a Constituição do país do futuro

Cujo hoje é esperança bucólica

O criminoso profissional impune

Que assimilou o grand monde

Sou o trabalhador cansado

Com suas pesadas botas de oprimido

Caminhando entre leis e regulamentos

Sou a palavra de ordem expulsa

Por pulmões de sílica da mina

Que sequer arranha a superfície

Cristã dos corações opressores

Sou a ditadura econômica

O livro humilhado

Sou a incerteza, o descrédito

O anjo Colt 45 sobre a bíblia

O open, o over, a ação e Nahas

Que amanha se absolverá

Sou o resultado dos anos

De todos os calendários

Sou a pressão de um PT

Endemoninhado

A doutrina ultrapassada

A teoria da prática

O lobo pensado carneiro

Sou a biblioteca do mundo

Entrando em combustão

Para que, das cinzas

Aproveite-se a unção.

¹ - Karl Marx, Discurso Sobre El Libre Cambio in a Miséria de la Fisolofia.

² - Código Agrário Uruguaio de 1815

³ - Daniel Valcarel, La Rebeldia de Túpac Amaru, México, 1947