[Pedaços da Noite Grande]
[Fragmentos do Curral Noturno que me Cerca]
... ...
A lamparina projetou os medos antigos
lá nas brancas pedras-de-fogo do curral escuro;
e sob o triscado dos rasantes dos curiangos,
sombras da lua dançam no estrume seco —
são tão reais, tão reais — até fazem poeira!
O cheiro de querosene espalha-se,
alcança o céu da boca seca,
mas... e a coragem de ir à cozinha,
quem sabe que assombração
estaria vigiando o pote d’água?!
Amanhã — que consolo! — amanhã
será como foi o dia de hoje,
mais um nó no cordão da paciência...
Coaxam longe os sapos, cantam as angolas,
até se ouve a ruminação lenta do gado manso —
são os estertores do dia longo, longo;
rangentes molejos na espera do poente do sol...
Mas, espera... espera de quê? Ninguém sabe dizer...
Só o que eu sei é que no abismo
da face do mundo voltada para mim,
a vida minha é uma noite grande,
grande de não se divisar o sentido dela,
grande de se apagar a noção do Antes,
grande se incertear o passo no Agora,
grande de se perder o rumo do Amanhã —
sim, grande noite, grande de não ter mais fim... nunca!
E os dias?! Ora... são apenas pedaços,
são claros no tecido da noite grande, uai!
Às vezes, a gente põe um cadinho
de mel neles, para facilitar a espera...
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[Desterro, Quinta, 7 de fevereiro de 2013]
Excerto de "Curral Noturno", do [meu] Caderninho #4 de capturar ideias