ESTIO

ESTIO

À noite fizeram festas

Almas resplandeciam

Meu corpo, carne modesta

Abrigava espírito em estria

Os amigos regurgitando ao derredor

Bebiam milhas das pipas

Toda a cantoria e palavrório

Da tristeza não me erguia

Vieram em caravanas

Erguer-me da tenda

Trouxeram mil fulanas

Eu, profundo, era contenda

A eles nada denunciava

Encharcados de álcool e coca

A imagem não me encantava

Apesar da enorme força contra

Estimulei-me de mil modos

Fiz fantasias no leito

Toquei no corpo, fui ao solo

Afoguei-me em bocas e peitos

O que fazer do homem

Quando o único desejo

É fazer com que assomem

As faces do amor perfeito?

Não desejo festas, heroína

Fumo em silencio, ao lado

Aguardando o que não termina

roto, tonto, enjoado

tomei a caneta atrás do poema

que sumira há muito

contemplei a tenebrosa pena

Escrevia, a princípio afoito

Passado o brusco do medo

Ordenei aos músculos sossego;

À mente, que se ordenasse no negro

Estupor comandante dos dedos

Não obtive poesia

Meus olhos, mechas rubras

Ardendo pólvora fria

Traduzindo garatujas

Dentro de mim, sem festas

Qualquer coisa cai. E tine

O som penetra pelas frestas

Impactado, algo se redime

Vejo-me de joelhos ao salário

Mãos erguidas, ombros distantes

Reconheço ser isso puro desvairo

Por minha alma recusar habitantes

A noção de movimento e som exatos

Abandonam-me após o sinal da raiz

Espanco os pensamentos imediatos

Que inundam de humano a matriz

No dentro, sou orações sem Deus

Sou observação do nada

Descubro no meio dos véus

Uma face macerada

Abro os olhos, sinto a festa

Sorrio aos amigos ao redor

A deles felicidade é moléstia

Que nada me acomete ou faz peor

Da cantoria, fujo

Encontro silencio no centro

Exato de um dentro sujo

Onde, exausto, me sento

Quase a dormir na visão

Vejo amigos que partem

Sem terem existido na razão

Deixam-me e não me invadem

Não quero festas; nem canção!

Quero a boca vazia

Abandonem-me neste chão

Deixem-me! A vida já estia!