[Riscos n’água]
Por que insistimos tanto em riscar n'água?
Eu risco n'água a loucura de um desejo inalcançável,
pois sei que água, ao apagar os meus riscos,
guardará os meus segredos... ocultará
o ridículo do fracasso da tentativa!
Eu risco n'água até os meus olhos doerem
de tanto inquirir profundezas inatingíveis,
até o absurdo estalar de um tapa na minha face...
Risco sim... só para ver a superfície líquida
desmanchar tudo numa lisura absurda,
como se nunca tivera acontecido?
Risco sim... só para tentar [inutilmente]
não deixar memória do ridículo,
só para apagar os traços da minha ida
até à margem do rio da fuga das coisas?
Ah, tomara o ridículo fosse mesmo
como os riscos na lisura da água...
O ridículo é um fogo "interno",
não precisa de oxigênio,
ama ocultar-se no escuro da mente,
e assim, como o fogo que se guarda
no oco dos troncos caídos da queimada,
reacende-se vivo, rubro — não se extingue nunca!
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[Desterro, 04 de fevereiro de 2013]