Falando de saudade.
Saudade fecunda, dispersa, destila,
enlouquece o tempo, embebeda as feridas,
destoa de si mesma.
Saudade é fogo calmo, sem pressa de gozar,
que se esconde matreira nos vãos distantes e próximos da alma,
berra até o vento menstruar pela última vez.
Saudade é pasto vasto, luz manca, abraço oco,
que enfeia os contornos do coração com maestria,
pulsa sem trégua mesmo quando existe só chuva,
só solidão.
Saudade não deixa pegadas, nem se sombreia sorrateira
nas asas quebradiças do tempo,
suas mãos envelhecidas se atracam firme na dor, na cor, no cheiro,
seus passos rasgados esquecem que deveriam morrer um dia,
por certo, um dia.
Saudade traduz tudo errado, desafina do começo ao fim,
se cansa de sonhar, de chegar, de viver,
mas nunca arreda pé da sua sina,
nunca mesmo.
Saudade é veia enrugada, canto lá de longe que nunca jaz,
até que numa hora dá uma sacudida nos sarongues remendados
do seu gosto e deixa de ser.
Deixa de ser pra todo o sempre.
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