POÉTICA DO PÓ

“Là où ça sent la merde ça sent l’être.”

ANTONIN ARTAUD

Ouvir os versos do cansaço

Fluindo por bocas miseráveis:

Eis o poema bruto, a única verdade!

Todo o resto são floreios sem sentido,

Delírios de um lirismo doente.

Doses, cuidadosamente administradas,

De uma poesia incapaz.

Não! Nunca a experiência da grandeza

Que esmaga, nem o suor falso dos atletas.

Quero procurar palavras leprosas

Que soem como uivos de agonia

Aos ouvidos acostumados aos sussurros,

Quase doces, das canções de amor.

Que leve o rosto ao chão

A bela musa e suje até o limite

A brancura de sua pele.

Busco a imundície do náufrago,

Do homem-pó, do espólio de Deus.

Limites do meu canto estúpido!

Acaso um par de olhos

Não pode matar a beleza da manhã?

Deixem que meu cabelo cresça,

Que me possuam os dejetos do corpo,

Que eu possa ser entranhas e coração

Para não morrer!