Minha História
Eu sei que hoje eu pareço inocente,
ou, às vezes, rebelde demais. Mas
não sou criança e nem adolescente.
É que eu sou tão velha, que decidi
voltar à minha infância, mas, como toda
senhora, ainda gosto de contar minha
história. Se o leitor, por cá, tiver
paciência, contarei até alguns
detalhes, mas sem me alongar demais.
Não sei se é porque já faz muito tempo
ou porque eu ainda era nova demais,
mas ainda não sei ao certo onde e quando
nasci, nem sei eu quem eram os meus pais.
Mas lembro de ter conversado com deuses,
com heróis, com filósofos, lembro eu,
também, de pessoas com quem estive.
Gostava de conversar com Homero,
com ele, eu mergulhava em aventuras
magníficas. E o velho Halicarnasso
compartilhava comigo sua história.
Na infância eu viajei a muitos lugares.
Fui para Roma, e conheci Virgílio.
Conheci também Confúcio na China,
e Ō no Yasumaro no Japão.
Eu cresci, mas meus amigos morreram,
eram tempos difíceis, para mim
e para eles. Mesmo assim, conheci
novos amigos muito interessantes.
Um sábio, mas destes bastante excêntricos,
que se chamava Agostinho; outros,
também religiosos, como Alighieri,
foram meus grandes amigos: Boccaccio
Foi um dos mais importantes, me deu
muita fama e prestígio. Foi nesta época
que também cresceu a minha irmã Prosa,
principalmente meio aos seus filósofos.
E eu, desde aquela época, me inspirava
nela. Tal como eu me inspiro ainda hoje.
Ah, e então tive meu primeiro amor,
foi um belo amor à primeira vista
(ainda existia isso naquela época).
Aqui, esta pessoa merece mais
atenção, um dos maiores amores
meus. Seu nome era William Shakespeare,
um romântico e estudioso inglês
cujo amor dedicava a mim. Antes,
nunca fui tão amada, e ele me fez
feliz. Com ele, fiz muitos sonetos,
alguns trágicos, mas também românticos.
Mas infelizmente também morreu.
Para mim, vieram tempos muito tristes,
mas a fé havia de confortar.
Seguiram-se tempos bem religiosos,
os homens tinham mais fé do que de
costume. Mas eram tão lindos os
sentimentos, que os ajudei na própria
fé. E deram-me o nome de barroco
para exprimir esta fase em que
os homens viviam em dualidades.
Meus amigos favoritos eram:
um padre chamado Antônio Vieira
e o advogado, Gregório de
Matos Guerra, conhecido de “Boca
do Inferno” - por minha influência, que ele,
tão sincero que era, acabava mal
interpretado (devo lhe desculpas).
Então, vários amigos meus voltaram,
não tal como eram, é claro, mas eram,
por cada um, compreendidos de uma forma,
eu e minha irmã sempre falávamos
deles aos homens. E esses pareceram
se interessar. Agora, era uma nova época,
que muitos chamam de neoclassicismo;
outros, de arcadismo; mas para os músicos,
ainda clássico. Tive amigos, nestes
tempos, baste convictos, e
iluminados, mas eram mais íntimos
de minha irmã. Os filósofos quase
sempre a preferiam. Prosa também
sempre gostou muito deles, é claro.
Nestes tempos eu andava com Cláudio
Da Costa e Tomás Antônio Gonzaga.
Mesmo esse tempo sendo muito breve,
levou boa parte de minha fé.
Eu passei a sentir a dor das perdas,
das mortes, dos sofrimentos, e da
solidão. Perdi amores e amigos
por toda a minha vida, mas só eu
que continuava, porque eu não morria?
Para esse período, os meus biógrafos
nomearam “romantismo”. Alguns ainda
separaram por gerações. Já que
foi longo - claro, nem tanto quanto a
minha infância - e também muito expressivo.
Não me lembro de ter tanta atenção
de intelectuais antes, acho que
nem na infância (e olha que é bem difícil
superar a fama de quando se é
criança). Minha irmã até ficou com
inveja de mim, pela primeira
vez. Aqui, tive muitas companhias
para compartilhar os meus amores
e também as dores de minha vida.
Tentei me prender a terras, a povos,
na esperança de aliviar as mágoas -
diziam que eu era nacionalista -.
Dentre os muitos dos amigos que tive,
um deles, Gonçalves Dias, destaca-se.
Outros eram mais sofredores, eram
mais melancólicos, o jovem Byron
era um desses. Victor Hugo também
sofria, e se importava muito com a
França. Tal como o Castro Alves com o
Brasil. Mas é claro que eu tinha alguns
amigos mais rebeldes, era, um deles,
Arthur Rimbaud: Jovem apaixonante
que cativou meu coração, pena
ter falecido tão cedo, logo aos
trinta e sete anos. Bom, foram bons tempos.
Passado a época de adolescência,
eu havia ficado mais madura.
Vários dos amigos de minha irmã,
Spencer, Comte, Taine, Marx e Darwin,
me inspiravam muito profundamente.
Refletia a naturalidade
do mundo, ou tentava, com meu amigo
Aluísio de Azevedo. Machado
de Assis foi outro de grande amor, mas esse
não foi só um amor de verão, como o
de William, não, esse era muito mais
maduro, ou realista, acreditava eu...
Quando perdi outro de meus amores,
resolvi escrever por entre enigmas.
Não mais tão frio e tão cru e tão mecânico.
Tive amigos ainda mais solitários
Do que eu. Talvez por isso que eu tentei
confortá-los. Um deles era mais
que um amigo, ou quase foi, ele se
chamava Cruz e Souza, mas ele era
mais conhecido como “Cisne Negro”.
Outra paixão foi Augusto dos Anjos.
Mas eu não consegui nenhum dos dois,
apenas sofriam juntos comigo.
Quando se foram, decidi tentar
coisas novas. Estive na semana
de arte moderna com um visual
inteiramente novo, estava junto
de Oswaldo e Mário de Andrade, ainda
outro grande amigo foi o Drummond
(também de Andrade). Antes que pergunte,
não, eles não eram irmãos. Falando
em irmãos, finalmente resolvi
as minhas indiferenças com Prosa
e muitas vezes escrevemos juntas.
A responsável por isso, foi uma
ótima psicóloga, mas os
homens chamavam introspecção
essa intimidade que eu partilhava
com Clarice Lispector. Mas eu
não ligo, Clarice dizia que os
homens de nada sabiam. Depois
chamaram-me de poesia concreta
e também de poesia marginal:
na verdade, eu era os dois, dependia
com quem eu estava. Um se chamava
Décio Pignatari; o outro, Paulo
Leminski - e outro grande amigo, desses
marginais, era Bukowski -. Tinha
pena de meus biógrafos, nem mais
conseguiam me catalogar. Só
uma coisa acertavam: ser moderna.
E finalmente cheguei ao presente.
Se vocês, leitores, ainda leem
esses versos, é prova de que estou
viva e contemporânea. Uma de
minhas últimas amigas morreu
faz pouco tempo, chamava-se Hilda
Hilst. Outro faz apenas uns poucos
anos, falo de José Saramago.
Sei que tenho ainda admiradores,
Porém, poucos escritores amigos.
E deixo essa singela história para
que vocês melhor me conheçam, não
só por meus versos e poemas, mas
também por minhas paixões, meus amigos,
minhas aventuras, minha história.
Atenciosamente,
A Poesia