A chuva chora

A chuva chora e fia a tristeza

que escorre diáfana pela janela,

sem razão

Nina a minha vigília e a minha dor

e as minhas mãos cheias de inquietude

Molha o meu medo e a minha angústia,

molha o momento suspenso da tarde se desfazendo

O vento desliza na janela como lágrimas

de uns olhos imensamente meigos e belos,

uns olhos prometidos ao silêncio,

ao desconhecido

Pela janela olho o céu cingido ao cinza

do dia que envelheceu

A chuva,

transluzente,

chora,

escorre,

nina,

molha...

E, por fim, a vida, enredada nos passos molhados do dia,

entoa silêncios enquanto a chuva ressoa

na transparência do grito eternamente inaudível,

na transparência palpitante da chama do círio

aceso desde as origens dos tempos

Dentro da chuva a sombra se projeta no ar

e um vago sentir tristonho se dissipa no infinito

da névoa que esconde os passos serenos da noite que se

prenuncia ao peso e ao farfalhar do crepúsculo

A chuva cai como fogo e semente ardente

a encher de melancolia o instante vindo da infância

e de um tempo onde só havia

este sabor de barro

e a vida se desenrolando

nas janelas roídas pelas chuvas,

absorta e oscilante num mar de horas

cinzas como o céu do dia,

inefável como a chuva que chora nas janelas floridas