Não-credo do Eu-poético

Sim,

sou uma em muitas, e então?

múltipla em só uma, porque não?

una e indivisível, e depois?...

sou todas, do todo que vós sois!:

Sou frente, sou perfil,

Sou rente, mas asa, se quiser,

Sou gente ou animal!

Sou jovem, sou senil,

Sou homem, mas posso ser mulher,

Sou nome assexual!

Sou calma, sou febril,

Sou salmo ou mantra por escrever,

Sou alma e sou carnal!

Sou pimenta, sou caril,

Sou tormenta sem Adamastor saber,

Sou a semente do sal!

E se assim sou estas coisas,

tão diferentes e tão várias,

é só porque, em queda e glórias,

represento a Criação,

não me conformo com cópias

ditadas por frouxa mão!

E se me desdobro e reabro,

se me provoco e recargo,

é só porque este é meu fardo:

ser de ninguém e de tantos

que alguns haverá gratos

por lhes provocar espantos!

Não tentem dar-me um só nome!...

Acaso ARTE é pessoa?

Acaso LUZ é uma cor?

-

A Arte é aluna indómita!

Cor sem Luz é forma incógnita!

-e que é dos caleidoscópios?...

-e que é dos heterónimos?...

-que é da relatividade e dos binómios?...

(que falta fazes, Fernando!...)

Só tendes trinta dinheiros

que vos deram à nascença...

Ganhar mais um pro barqueiro,

faz parte da vossa crença…

(…ou dois:

o ler e o depois,

e o resto, não é excesso,

é diferença!)

...

Bela cheta! (penso, aparte)

...

Mas vos digo:

o eu-poético, reneguem,

em impudente heresia:

além daquilo que escrevem,

só existo - eu-Poesia!!!