Seis sílabas

O sonho aflora e é estas lembranças solitárias,

chuva caindo sobre os versos,

sobre um rio imperecível,

sobre esta névoa furtiva que encanta os meus sentidos

como se o ar pudesse ser arte e círio e arder até o fim

Ninguém ouviu o ar arder na noite âmbar

Nada há nas luzes densas que devoram a noite

Nada há no vento onde se esconde o silêncio

Não há nada senão o teu nome no meu sonho

Teu nome que vivia em murmúrios nos meus lábios,

na minha saliva e na minha sede de ti

Virão inúmeras primaveras e verões antes

do impresssentido crepúsculo

e da tristeza das palavras

No amanhecer,

junto com o dia lasso e nu,

enquanto o nada sibilava no frio do quarto,

vindas de ti seis sílabas cospiam o cuspe

do descaso aceso pela indiferença

As palavras feriram,

pungentes

Podias tudo, menos ser a palavra dita sob a dança da mágoa

A tristeza consumia aquele final de primavera

que ainda sendo flores, já era solidão

frágil sépala inclinada a se esboroar

Quando será dia novamente se neste momento

a noite tocou-me a pele tornando-me escuridão?

Os segundos riscam as horas

com cacos de solidão

Uma a uma em uma outra noite será primavera

e o estrídulo silêncio falará das cintilações das manhãs

e de girassóis tão antigos quanto os versos que te fiz,

todos tão úmidos de sussurros

a molhar minúsculos silêncios

e os teus olhos de papel

Escuta,

a tarde que ardia entre nós

e as nossas solidões mitigadas pela luz cinza

e calcinada que entrava pela janela

deixando o gosto amargo de um novembro

que caminhou irresoluto

para a precária e última eternidade

O sabor da chuva ficou no silêncio pisado

pelas palavras ressequidas,

pelas vituperações

que engoliram a ternura

e os dias iguais tornaram-se rotineiros

não fosse a imponderável poesia e os versos

e estas palavras que para além dos ventos

encontram sentido e companhia