Cantigas de roda.
Sou um ermitão que vive enclausurado em si mesmo,
esperando só a hora de ser, de nascer, de verter,
de crer, de parir. Ou quem sabe, partir.
Sou criatura avessa, travessa, pouco espessa,
trago no bojo da minha carne canduras tantas que nem sei,
que nem sei.
Sou andarilho nos confins roucos da minha alma,
sedento por ávidos sonhos e cantigas de roda,
assim me faço feliz.
Nas duras ancas da fé descarrilho meus anzóis,
falo adeus pra dor quando bem quero,
quando bem espero.
Tenho meus tombos atados ao peito feito pele, feito fetiche bizarro,
faço chover, faço rever, faço o que quiser só quando a vontade se traduz,
sou bicho livre e desatado das amarras da escravidão, como poucos.
Quando me talho acuado, sem calço pra ir ao céu,
e tantas vezes me fiz assim por certo,
tranco os olhos e ancoro a respiração até minha luz chegar.
Então vou em frente atrás das minhas próprias pegadas,
dos meus dejetos que não preciso mais esconder.
Assim vou tirando a terra da frente só pra ver todo chão,
todo meu chão.
Talvez um dia não tenha mais passos desafinados para embebedar
meus guizos tontos,
talvez nem tenha mais desejos pra embalar, vai saber.
Nessa hora talvez os aplausos tenham desistido de mim,
todos eles.
Nessa hora pode ser que o frio e a solidão sejam meus fiéis acordes, vai saber.
Mas, por certo, terei toda certeza de que nunca fiquei à deriva dos meus suores mais secretos,
nem, tampouco, que me fiz refém de medos que nunca foram meus.
Nessa hora, quem sabe, poderei sorrir como sempre quis,
pra poder seguir em frente sem precisar mais olhar pra trás.
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