Noite

Ó, noite,

que levas do dia para o mar?

Levo a luz que calcina,

as cores das flores,

das folhagens,

as cores que esplendem

no horizonte nos finais

das tardes sobre os lagos

levo a tocaia da tua saudade

e o lume dos teus sonhos

levo as tuas horas cativas

e o grito ao qual te inclinas

Ó, noite, de promessas e de

silêncios

de ausências e de contemplação

repousa teus olhos negros

no sono dos meus olhos crassos

e canta a cantiga de acalanto

que o vento murmura

ao passar pelos rochedos

onde entre as frestas brotavam

flores que a tua mão encobria

e onde ouve-se o augúrio do

gorjeio da ave noturna,

segredos, seres encantados

acalantos que a chuva traz

Agora que atravessas o mundo

carregando em teus cabelos

as cores do dia e os instantes

com os quais vivo a ilusão

de um tempo fragmentado

e com o qual transcrevo o

passado no presente,

criando o engano de um futuro

Agora, acende os espelhos onde

a vida se reflete cortando a

escuridão rumo às latentes

luzes que tecem as auroras

Ó, noite, teu fascínio se

imiscui aos crepúsculos dos

fins de tarde, sombra cinza,

amalgamando-se às cores

do dia e a elas se sobrepondo

estendendo o manto negro

para que as estrelas iluminem

as lembranças por onde me

procuro no absoluto tão cheio

de presságios e afetos,

vem e traz contigo

os hieróglifos indeléveis

da poesia, o mel de uns versos

colhidos à noite singular e terna

e que pulsam no instante milenar

onde a idéia une-se à forma

onde o murmúrio dos anjos

confortam os náufragos da noite

quando em seus braços dormem

os teus olhos de infância

e o nosso primeiro amor