FIRA

Fira a boca maldita, desdita,

que beija esse beijo profanado, danado,

estalado na testa com gosto e cheiro de traição,

vede hermeticamente a fresta onde escorre espuriamente

o fel misturado com mel,

que corroe a frágil carne animal;

Fira o duro coração que só destila veneno,

escondendo um furacão num ventinho ameno;

Fira a mão macia do pecado

que contamina com toque venoso

mancha, escurece a alma, realça

com nódoas de mágoas e rancor,

eis o fino trato do corpo libidinoso do horror;

Fira, rasgue o peito em sangria

deixe a doce palavra da hipocrisia

esvair-se pouco a pouco,

até perder-se no valo da podridão;

Fira a desenfreada paixão,

acorrentando o selvagem desejo louco,

apague a chama que chama, conclama e desama;

Fira a dor, amordace o desamor,

dê um nó na inconseqüência dessa sublime incoerência;

Fira a indecência , fira a cobra pérfida,

que sibila no vento espalhando tormento;

Fira o mundo se preciso for,

só não fique mudo, passivo,

esqueça tudo que te fez infeliz,

seja o próprio autor,

teu passado já não diz,

venha pra luz que reluz;

Fira a redoma que te prende ao chão,

liberdade afinal,

voe livre do mal.

ANDRADE JORGE

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17/10/05

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ANDRADE JORGE
Enviado por ANDRADE JORGE em 12/03/2007
Código do texto: T410150
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