Fuga
Sinto pulsar minha garganta,
O rádio desligado, os sons mais nítidos.
Pesa sobre minha cabeça o calor das lâmpadas
E a luz artificial que brilha em mim
Já não me tenta.
Sinto que os papéis se amontoam
Sobre minha mesa e atrás das cortinas
Do meu palco.
Sinto que as virtudes se esfacelam
Sobre a laje áspera do cotidiano.
Tenho sobre as costas e entre as mãos
Uma vida, meia vida, muitas vidas,
E uma parcela de culpa pela falta de tempo.
Mas mesmo assim minha alma escapuliu.
Flutua sobre o oceano verde-azul
Onde a enxergo de longe, alucinada,
Mentido para si mesma que é livre.
E insiste em ser feliz, a desatenta,
Tropeçando em ondas, confusa,
Sem conseguir ordenar sua rota:
Dissimulada, só faz o que quer,
quando lhe apraz.