[Pensando no avesso das coisas]

O sol inunda de luz a cozinha

enquanto eu lavo o prato de vidro

em que derreti o queijo meu de cada dia.

Varada de luz, a água banha as minhas mãos,

escoa pela lisura suave das faces do prato,

e enquanto se desfazem as bolhas do detergente,

eu penso:

ah, que esta vida não vale nada!

O que é viver senão essa constante

e covarde gemedeira por recusar a finitude?

O que é a vida senão sentir medo

e sonhar que se teve um antes,

e haverá, portanto, um depois?

O que é a vida senão recusar o solene dito

dos faraós do Egito... "O Ontem me criou...", e assim,

descompreender que somos apenas filhos do Tempo?

O que é a vida senão este estúpido

depósito de fé num ser inexistente,

criado pelo próprio medo da finitude?

[Corte — pois era apenas um prato a ser lavado,

e o pensamento, curto, foi-se ralo abaixo,

e dele ficou apenas este pífio registro]

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[Desterro, 24 de janeiro de 2013]

PS. Um dia, entro num restaurante

e lavo todos os pratos, todos...

quem sabe consiga pensar às direitas,

e não ao avesso do ser das coisas?

Em tempo: não aprendi a dançar,

portanto[!?!] não sei criar títulos

interessantes para os nadas de ser

que eu escrevo

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 23/01/2013
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