[Pensando no avesso das coisas]
O sol inunda de luz a cozinha
enquanto eu lavo o prato de vidro
em que derreti o queijo meu de cada dia.
Varada de luz, a água banha as minhas mãos,
escoa pela lisura suave das faces do prato,
e enquanto se desfazem as bolhas do detergente,
eu penso:
ah, que esta vida não vale nada!
O que é viver senão essa constante
e covarde gemedeira por recusar a finitude?
O que é a vida senão sentir medo
e sonhar que se teve um antes,
e haverá, portanto, um depois?
O que é a vida senão recusar o solene dito
dos faraós do Egito... "O Ontem me criou...", e assim,
descompreender que somos apenas filhos do Tempo?
O que é a vida senão este estúpido
depósito de fé num ser inexistente,
criado pelo próprio medo da finitude?
[Corte — pois era apenas um prato a ser lavado,
e o pensamento, curto, foi-se ralo abaixo,
e dele ficou apenas este pífio registro]
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[Desterro, 24 de janeiro de 2013]
PS. Um dia, entro num restaurante
e lavo todos os pratos, todos...
quem sabe consiga pensar às direitas,
e não ao avesso do ser das coisas?
Em tempo: não aprendi a dançar,
portanto[!?!] não sei criar títulos
interessantes para os nadas de ser
que eu escrevo