EXPLICAÇÃO DO SERTÃO

Meu corpo está suado.

Nas costas, sinto a poeira que insiste em se integrar à minha pele morena.

Morena, mas desacostumada de sertão.

Tudo aqui é lentidão e vagareza.

O tempo se arrasta em minutos triplicados pela força do sol incandescente.

Lá fora, a rua se transmuda num arremedo de deserto.

Não há ninguém.

As pessoas fogem do calor como podem.

Às 11 horas da manhã, fecham-se as portas do comércio (que reabre apenas no meio da tarde).

Ninguém entra, ninguém, sai, ninguém produz ou consome.

A vida aqui começa no frescor das cinco da manhã e segue firme até as 10h30.

O resto é um modo singular que o sertanejo inventou para passar os dias.

Um almoço e uma sesta quase interminável partem a existência ao meio.

No final da tarde, um banho frio, uma voltinha na praça. E só.

Aos mais velhos, resta a calçada, a cadeira de balanço, o escárnio e o mal-dizer medieval e inofensivo.

Uma vez por ano, no entanto, o panorama muda:

vassalos e damas adolescentes brincam de realeza

trocando olhares furtivos e bailando ao som de instrumentos populares

na festa que homenageia o padroeiro.

No mais é olhar pro relógio e perceber, com assombro, que os ponteiros restam, estagnados, no mesmo ponto em que estavam, minutos antes...

Goimar Dantas

Japi – Sertão do Rio Grande do Norte

22/12/2004

Goimar Dantas
Enviado por Goimar Dantas em 11/03/2007
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