Chove

A aurora apregoa a manhã como quem lê um poema

O dia vai amanhecendo

oscilando no ar úmido da chuva que cai

Cai uma chuva fininha

sobre o mar, sobre as vidas... sobre o poema

Trinam os pássaros a chegada de um novo dia

Debicam lentamente os sonhos e o silêncio

A madrugada recosta-se ao horizonte

As útimas estrelas pulsam

no ritmo da pulsação primordial

memória do Primeiro dia intangível,

sons viajando através dos tempos,

corações palpitando o momento

infrangível das longas noites,

arquétipos

rumores dos milhares de anos

A vida nascendo da água primeva

Num tempo que dissipa este silêncio intangível

a madrugada caminha para fora do poema

Traz de longe resquícios da noite que o precedeu

Resquícios dos versos sonoros

Momentos...

de estar só

O dia amanhece na ilha

Por detrás dos farelinhos de chuva

o poema se insinua

Cai a chuva fininha

Perfeita

como um toque impreciso

de pele com pele

de palavra com palavra

Nasce, sob a chuva fininha,

a manhã definitiva

Lá longe o mar se confunde com o céu

traço feito a nanquim

sombras esbatidas

pelas pequenas frestas de luz

que vazam desde os séculos sozinhos

e este tempo de ausência

que eu não sei dizer o que é

Barco?

Vento?

Vela?

Vôo?

Ilusão?

A idéia contida na palavra,

estórias e lembranças

signo movendo o mundo

Olhos ofuscados pela luz acetinada da manhã

Águas cinzentas como o céu escuro

desta manhã

que chove plácida

e lentamente

Insondável nostalgia

escondida

na solidão da poesia

oráculo silencioso

Num céu perene,

sobre o mar antigo, milenar e profundo,

polvilhado pela chuvinha que cai,

voam alvas gaivotas de algodão

Nasce o dia

Sopra o vento

A vida acorda e suspira ao som da chuva

O amor dorme no coração do poeta