Final de primavera

Dezembro

As noites já pressentem

o final próximo da primavera

A brisa ainda traz o inebriante

perfume das flores noturnas

e o plangente repicar dos sinos

meditando a imprecisão das horas

e a pulsação da vida

O campo florido de pirilampos azuis

que ilumina a noite ditosa

vem da candeia

de um céu cintilante

rendilhado de flamantes

estrelinhas

A lua traça no céu

um arco de linha nacarada

sobre o fundo negro que se

ergue dos montes que dormem

na noite diáfana

No ar uma palavra pejada

de silêncios e ausências

doridas se esconde

e tonta de melancolia

se esvai com a primavera

e as areias que o vento leva

A poesia dorme

no colo nu da folha úmida

dos pingos da chuva

que desenha arabescos na vidraça

Uma ave adeja na noite

solitária

Chove

Não a chuva que chovia

nas gaiolas abertas da infância

entoando no telhado

o som ritmado dos pingos

Hoje a chuva não cai

sobre telhados

e não junta seu som

ao som do barro das telhas

Hoje a chuva não escorre

pelas ruas de terra

Não deixa no ar o cheiro quente

de terra molhada

Não há canteiros

nem flores

nem cores

onde vicejava a eternidade

dos sonhos

e das estrelas

que a chuva, então, avivava

Hoje a chuva é o instante

sem a cor do sonho

sem as memórias e as histórias

e as fábulas

interminavelmente azuis

da imaginação

que pasce num mundo

onde a semente espera latente

e longe dos segredos dos meninos

reprisados noite após noite

O momento passou

trazendo a obscura noite dos

sóis sobre os quintais

Busco em mim o que

o que eu fui

o que eu era

Esta não é a primeira

primavera

nem a útlima lenta agonia

que os meus olhos soluçantes

vêem passar

Busco-me entre as flores do passado

Lá onde a vida nunca deixou

de ser jardim

onde as flores balouçam, suaves,

aos pingos da chuva

e que balouçam, também,

os labirintos do meu mundo

Ó, doce flor do jasmineiro

a tarde chora

outra primavera

espargindo aromas voláteis,

derramando folhas e flores

levadas pelo vento

para além das palavras

e do encantamento

outro mar

caminhando para as areias

outro tempo

desapegado e incomensurável

Entre as mãos,

molhadas de ventos e de cores,

outra solidão

com a qual finda-se o dia

e começa a poesia