Um dia (...)
Um dia um caminhão me atropelou
Voei uns 20 metros sobre avenidas da vida
Caí de maduro e ainda verde de alma
Senti que algo se passava, ali estava eu
Cercado por uma multidão
Uns viravam o rosto para não ver
Outros acotovelavam-se para beber meu sangue.
Um dia um caminhão veio e me levou
Não estava preparado para morrer, ser costurado
O cheiro do formol me faz espirrar, já não espirro!
Fiquei muito tempo no rabecão a espera dos outros
Vítimas do tráfego, do tráfico, dos adultérios, das fatalidades
Da banalidade, que no fundo é a morte.
Um dia, o caminhão me abalroou
E nem me permitiu as despedidas:
Da família, do cão, dos amigos, das dívidas
Nem pude ouvir a resenha esportiva
Não fiz o último poema,
Nem terminei minhas obras póstumas.
Um dia um caminhão me deu boléia
Para o outro lado, fui esquecido, fui deixado.
E os caminhões continuaram a passar...