enchente

tivesse juízo

ordenava ao destino

um pouco menos de olhos

e quando chuva desse de reinar na serra

quando vento cismasse mesmo em derrubar manacás

e sabiás buscassem abrigo

- lá onde? -

pouco menos de olhos

e nem víamos

tivesse juízo

menos gente amiga

pra gente chorar

e um tanto menos de mãos

a suportarem o suor dessas almas tantas

- e poucas em si -

a esperarem de nós

pouco mais que olhos

e mãos prestes e em palmas:

orações

aí não ouvimos

e pouco queremos enxergar

tivesse juízo

não deitava metade do céu

em cabeceira de rio

nem sumia com meio mundo de chão

sob um trovão de mágoa

a escorrer - furioso

desdenhando a encosta

a se imaginar outro rio

e a descer

e levar

e ignorar porteiras

arrastar pinguelas

e amarelos canários espantar

tivesse juízo

ressuscitava meu hibisco

- em pequena gota d'água -

em vermelho-longe

e em prata de luz

de jamais se apagar

meu hibisco

e me trazia de fronteiras outras

outras flores

e cheiros outros

outros cheiros

e cheiros tantos

que nem sei

tomava ciência

- juízo tivesse -

e alterava a rota

da divisa do homem de chapéu

e dourado em metal:

dono de tudo

deixava o homem dormir

e mandava a água

saltar essas minhas estacas

brandas

brancas

dormidas

e engolir o meu lago

e as tilápias

tambaquis

um e outro dourado

e uma carpa

se houvesse uma carpa

não ligo

eu vi uma estrela, ontem

antes de metade do céu ruir

e inda hoje lá está:

mesmíssima luz

como é que tudo desaba do céu

sem do céu nada desandar?

salta, pois, as estacas brancas

do lago que me cerca

e me leva o que me houver de mim

e me brinca

e me esquece

e me dá de beber aos olhos mais fundos

de um remanso qualquer

mas toma juízo:

e deixa o resto do mundo dormir

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 01/01/2013
Reeditado em 01/01/2013
Código do texto: T4062092
Classificação de conteúdo: seguro