UNDÉCIMAS AO RIO DO CHICO

1.

Nada havia no vale

que desse ao homem saliência

ou ocupasse a vista além da monotonia

– nem uma sombra se erguia;

nada no vale havia

que levasse a alma desejosa

a sentir no corpo cócegas

– evidências de estar vivo;

nada no vale levava

à leve certeza de ser

nem que tênue silhueta.

2.

Era só o homem no vale

como um ponto no infinito

como do mundo o umbigo;

não fosse tão impreciso

seria já uma verdade.

Era só o vale no homem,

vazio também de si mesmo

que do ermo sitiado

a si mesmo semelhava

e diferente do nada

que do vale emanava.

3.

O vale não tinha nome

e o homem fora Francisco

quando houve voz a chamá-lo;

o vale não há quem chame

pois se o ousasse fazê-lo

do vale leva o vazio.

A Chico foi reduzido

o amplo nome do homem;

só a amplidão do vale

não se restringe a espaço

em nome do ilimitado.

4.

No entanto

tanto ao Chico cabe o vale

quanto ao vale cabe o Chico

irmanados do vazio.

Seu encontro é mistério

pois há muito que o mundo

reduziu-se a muito pouco.

Um homem solto no vale

tanto pode ser o último

quanto o primeiro vivente

– todos nele se resumem.

5.

O ponto final encerra

rodopio no próprio eixo;

em desconexo primeiro

se expandem explosões súbitas

traçando a linha que corta

contorno em torno do espaço

que a forma tudo conforma.

Mas falta-lhe, ao ponto-Chico,

a força motriz, o sopro,

o espanto inicial

que o descole da inércia.

6.

Só dos revezes do nada

é que o tudo principia.

Sendo o Chico-ponto nada

Imerso ao nada do vale

(ponto negro em negro fundo)

nada há nessa imagem

do vivo desassego

que corte o fio do umbigo

e gere a imagem do rio

em sangria desatada

para proveito da vida.

7.

Mas se não circula o ponto

em torno do próprio eixo

nem se expulsa em linha solta,

aprofunda-se em si mesmo,

como a implosão que nega

e subtrai a presença.

Evacuando do vale

o vácuo que nele havia,

transborda-se para dentro

do centro do próprio umbigo

negação do que se nega.

8.

homem-ponto-implosão,

ponto nítido de ausência,

se afirma na escuridão.

Caleidoscópio de cores

do que enfim não fora não

e nada fora em fim.

Fazendo-se de homem-poço

Poço sem dentro e sem fora

Mas que por isso mesmo jorra

Anti-vaso, anti-flor e anti-fonte

Homem, olho-d’água cego.

edilc
Enviado por edilc em 08/03/2007
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