A Rua
A rua quente, negra, passarela de almas
corpos em armaduras de aço e plásticos
árvores empoeiradas, sobrevivem ainda
finda num tempo vidas e nua sobrevive
A rua desce em enxurradas bravas e barrentas
sobe em passos lentos dos velhos cansados
estabelece uma norma de passagem e espera
amortece ao seu ritmo a ânsia e o direito de ir
A rua é um holocausto urbano do movimento
dorme pouco e logo no primeiro sol, tortura
desfigura a geografia e deforma a vontade
é desejo e frustração, aventura e marasmo
A rua é a casa dos quase vivos ignorados
é a folha caída na calçada suja inexpressiva
é a fome, a saída, o final de um destino
o início da ida, o comércio da liberdade
A rua é onde eu não fui mas posso ir
é onde mora o dia e a noite dos cães
é onde a sedução e a despedida estão
é onde fui buscar o mundo e a revolução