AINDA SEVERINA
E saiu Antônio de sua terra
Rumo à serra
E além dela
A caminhar
Infinitamente.
Levava consigo Maria,
Também Inácio ia
Rumo ao lugar da promessa
Tinha pressa
Tão somente.
Consigo bagagem não levava
Seu pouco lhe bastava
Pra, na cidade morar.
Pro menino um caderno
Uma roupa a mais pro inverno
E a vontade de trabalhar.
A vontade tanta e sol queimando
Antônio, Maria e Inácio caminhando
Pela estrada de terra batida
Que de beleza seus olhos cobria
Adocicando a dura ida.
A fome chega e Inácio chora
Antônio a sorte lamenta
Maria nada comenta
Aos céus uma ajuda implora.
Nesta vida caminhante
De dor, saudade e tormenta.
A família foge da fome
Nas terras que um dia lhe pertenceram
E que depois que seus pais morreram
Não puderam cultivar
Sem poder sustentar
A perderam.
A escola de Inácio agora inexiste
Buscam a páscoa tal qual Moisés
Forçando os pés
Insistentemente
Rumo à terra prometida
Lugar em que se busca a vida
Mesmo em dura lida
Mas decente.
A terra seca do batido sertão
Tão longe da água, sequidão
Empoeiram corpos caminhantes
Vacantes
Em busca
Da libertação.
A cidade ao longe
Depois de um longo caminhar
À noite: que maravilha
É um ceu brilhante ao chão.
A seca se rende a uma lágrima de Maria
Antônio não se contém
Por aquilo que veem
Como esperança, solução.
Ao relento, noite final
Um natal
Se aproximando.
Advento de esperança
Cansaço de criança
Alívio de andança
Chegando.
Noite sem sono
Contemplam o céu despido de luz
Na alma reluz
Um lampejo de amanhã
Antonio olha Maria
Um ao outro sorria
Tentam conter seu afã.
Bem cedinho entrar na cidade
Para Inácio, escola
Sem demora
Ansiedade.
Cruel destino talvez
De ser migrante, ir e vir
Antônio, Inácio e Maria
No sertão sofria
Em busca do futuro
Só restou-lhes sair.
Cidade, luzes, barulho, agitação
Neste chão
Refaço meu sorrir.
A cidade? Não sei.
Tantos aqui chegaram
Não ficaram
Ou sumiram.
A tantos o destino enganou
A fome expulsou
A cidade iludiu.
A Antônio, Inácio e Maria
Em dificuldade se ia
A cidade...