prelúdio de flores
há um rumor de vidas
quando o chão dá de morrer
no instante último dado a lutar
ele prefere o leito
prefere a si
e quer tanto se deitar
não queira se prestar
em testemunha
pois que tudo se dá
em hora que nunca se deu
em tempo de homem nenhum conhecer
em tempo de olho de homem nenhum versar
o instante em que o chão dá de morrer
sei porque sou vento
sei porque arrasto nuvens
para que se rebelem copas
e verdes de todas as estações
se ergam
e rios se amaldiçoem
- que rios não se gostam -
e córregos se rebelem mares
e trovões se agigantem
nessas horas que não se dão
de pássaros encantarem luas
e luas se derramarem
ao chão...
em gota:
um pequeno brilho
cortando o céu
cortando a gente
a gente que passa ligeira
à cata de limites sem fim
e segredos
desaba um brilho
um remorso, talvez
e logo tudo se acalma
o chão se esparrama, em si
cansado
trovões se calam
rios se amam
córregos adormecem
verdes se deitam
copas se penteiam
e nuvens nem há
e em sol de dia seguinte
eis que numa cicatriz insuspeita de chão
o mundo vê nascer uma flor
sei porque já cruzei rios tantos
e pontes
e poentes
e nascentes
e jardins
e sei de todas as últimas curvas
de cada palmo de chão
de cada instante
da hora que nunca se deu