VÃ NUVEM

Uma nuvem vã sobrevoa o cerrado, observando a paisagem ávida de chuva. Quero tocá-la, quero sugar seu sorriso matreiro, mas ela me olha e diz: “não é sua vez, vou regar as samambaias distantes de florestas novas, um dia quem sabe apareço de novo por essas bandas.”

E eu fico ouvindo os sons de bandas de antigamente, pensando em como era verde aquele vale da minha juventude, e sonhando com a plenitude que encontraria naquele corpo de algodão, naquelas curvas de ovelha antes da tosa.

Vã nuvem essa, que vai e que volta, que aparece chovendo nas redondezas do distrito quadrado, levando o sol atrás de si como a um namorado inexperiente. E eu ali, dia que arde e noite que esfria, seco e angustiado, espero renitente.

Até que um dia, como quem não quer nada, ela chega para ficar. Envolve minha aura toda e deixa que o suor escorregue em minha moldura, sem aquela secura da evaporação imediata. Arrasta-me pelos cantos todos do quadrado, inunda as tesourinhas e cruzamentos dos caminhos por onde eu vou buscar meus sonhos mais deslavados, túrgido de tão molhado.

Lembro, como criança, da hora do recreio. Da água que me cerca, vem a luz, a descoberta. Mergulho até o fundo buscando a resposta para o universo em expansão, para a conquista do primeiro milhão, para o paradeiro de um ser superior, a identidade do super-homem e a maravilha da mulher.

Encharcado, me descubro deitado ao chão. Escorreguei nessa água toda, de banheira que transborda... E se sonho tudo de novo, se espero mais uma vez, de novo por meses a fio, haverá ela de aparecer?

Fabio Peroni
Enviado por Fabio Peroni em 13/12/2012
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