METADES

Ironia: para ser inteiro,
desnudo a obscura metade
renegada e posta em arquivos
da memória. Relembrar tem cheiro,
exige compromisso com a verdade
e renuncia ao mundo dos vivos.

Somos, então, eu e o meu outro eu.
Retiro espelhos do porão, apago a luz
para me ver melhor. Assusta o que vejo.
Choro, tenho saudade, o dia amanheceu
sem o perdão. Muito mais que supus,
há porões demais entre a dor e o desejo.

Uma criança me acena e me reconheço.
Um velho me aponta a bengala já gasta
e me acusa. Sou ele da mesma forma.
Ironia, o ser inteiro me afasta
de toda a imagem que a memória deforma
e sou apenas metades. Como no começo.
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 10/12/2012
Reeditado em 20/03/2014
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