Maio

Por que maio?

e não outro mês qualquer

Talvez porque em maio

as manhãs acordavam entre

neblinas e a graça do teu

sorriso inocente

Talvez porque em maio

você enlaçava o meu pescoço

e me dava beijinhos de

esquimó

tão frios nossos narizes

tão linda a tua maneira

de se deixar existir

Sorrias quando eu dizia que

a poesia é como jardins

e que as palavras florescem

nestes segredos suspensos

em nuvens vermelhas

em ramos de vento

em flores de luas

O ano?

O ano não importa

Infindável é o tempo

e a chama que o consome

Importante mesmo

era que fosse maio

e que o beijo

me atordoando

em ofegantes salivas

dissolvesse-me, menino

O beijo pousado no teu colo

no teu ventre

Nas nossas mãos enlaçadas

nos nossos olhos fechados

faziamos o dia conforme

a nossa magia de lentos segundos

o tempo parado em cada fibra

em cada toque flamante

E o amor era maio

e de dentro da bruma

de um mar que não tinhamos

vinham teus olhos

de menina

tua boca miúda

os dedos sobre os lábios

entoando o silêncio repentino

os segredos ainda úmidos

zonzos

Meu corpo o mesmo que o teu

lenta poesia a desnudar-nos

nos teus limites da bruma

nos teus calores de sóis

nos teus olhos de noite

casualmente sem lua

Em maio inclinavam-se os dias

que traziam você e as tardes

de incandescentes ternuras

traziam o teu carinho

e risos de era uma vez

traziam a canção de amor

tocando no rádio

e a flor ressumando no jardim

e brincos de princesa

e lírios florescendo no

horizonte

entre mar e terra

para o meu instante

de bardo

para os meus versos

imaturos

Vinham os versos

com o silêncio

que teus dedos

em mim compunham

sublimes

inquietantes

inefáveis sonhos

a brincar com nossos dias

com nossos maios

a brincar com amanheceres

que ficaram em mim

como a estrela esquecida

ficou no céu da nossa manhã

rondó decifrando a lua

e a tua ausência despida

ante os meus versos noturnos

ante o preto e o branco da vida

Eu ainda posso ver

teus olhos negros

indeléveis

me sorrindo

desde as rendas diáfanas da neblina

dissolvendo-se, assim,

na sede da aurora

e dos primeiros raios de sol

Com a última estrela da manhã

eu sinto que o tempo passou,

incerto

molhando com o teu nome

este passado onde me escondi

Pingo...

para mim serás sempre Pingo

Pingo d'água

da onde sorvi da tua boca

a gota da minha

primeira lágrima de amor

e de inauditos maios

que hoje me trazem os ventos

entre cantigas e poesias

entre pétreas solidões

desvelando esta saudade

e este silêncio

com os quais recito o teu nome

reescrito no lago dos meus sonhos

e nas poesias que não te fiz

e que adormecem nos meus dias

e que derramam nas noites

lembranças dentro de mim