BRASILÉIA DESVAIRADA

BRASILÉIA DESVAIRADA I

Em alguma Quadra da Asa Norte

enfrento a morte

não sei se nas 400 ou 200

mas pouco importa

se na solidão de minha madrugada

encontro uma multidão de sozinhos

também ansiosa por viver

enquanto morre.

Em algum lugar da Esplanada

estou com nada

ocupo espaço, nada faço

sou escravo da hora que demora

mas pouco importa

se estou livre às seis

e corro feito louco pela W-3

em busca de uma identidade

cada vez mais distante

perdida para sempre, talvez.

Em alguma mesa de bar

vou revelar

o virtuose que há em mim

creio sim

componho versos e canções

declamo sem que ninguém escute

mas pouco importa

se estou na minha, cada um na sua

entre goles de cerva e fumaça

certamente na 109

no delírio do Beirute.

BRASILÉIA DESVAIRADA II

Moro em algum bloco das 300

estudo nas 900

e pego o 107 Circular

pra variar

amo em qualquer estacionamento

mas prefiro os da UnB,

podes crer

freqüento a Livraria Galilei

não perco as noites de lançamento

e sou chegado a um manifesto

daqueles que a esquerda assina

contra a discriminação das minorias

por algum preso político

ou pela causa palestina.

Em qualquer situação

fujo ao padrão

transgrido norma

quero reforma

e os números abomino

mas a convivência compulsória

com a parafernália numérica

da Brasiléia desvairada

já me deixa psicótico

curioso por saber

quando da minha viagem

para o Campo da Esperança

que número é que eu vou ser?

Composto em novembro de 1982.