Palavras efêmeras

Há momentos em que sentir

é como a ausência do postigo

por onde poderia, se houvesse,

infiltrar-se a voz melíflua do poema

É como a carência das manhãs transcedentes

e o constante perfume do orvalho no ar

É como a garrafa lançada ao mar viajando

sob estrelas que por sua vez viajam o éter

trazendo mensagens (poemas?) do inicio das eras

É como a solidão que se instala transbordando

tudo que eu ainda não disse/não fiz

É como o som das insidiosas máquinas de guerra

que ca(n)tam as velhas canções

e reverberam a cantilena de velhos discursos

É como o choro silencioso,

sem gesto,

sem destino,

sem começo

e sem fim

É como um labirinto

infinito

onde a esperança repousa ingente

É como a inelutável noite

que envolve e acorda vendavais

e a chuva cai

parando o tempo,

revirando passados

reverberando ao som do vento nas telhas

E, afinal, que querem as lembranças?

Querem um convívio forçado

estes sentimentos que tombam e vibram

Não sei conviver

Há sempre razões definitivas,

certezas indubitáveis

e a noite que cessa

em todas as janelas

onde a parca luz amarelada

agoniza junto com a minha emoção

Onde as iamagens se evolam

e o tempo é um truque de um mágico

que transforma a eternidade

nestes fugidios instantes

Às vezes instantes longos,

páginas em branco,

às vezes cheios de emoção,

umedecidos de suspiros

que o tempo folheia impunimente

A poeisa estremece o singular

mistério da noite

e dá ao meu sentimento

este invisível caminho

e esta inefável possiblidade

de anotar e rabiscar

até perder a razão

e colher das flores as cores

e o perfume inocente

de um verso que chora

ou que ri comigo

de uma realidade que só existe nele,

no verso

Eu o olho e o ouço como

um menino me olha e me ouve...

como se me conhecesse

há muito tempo...

Um tempo em que só havia poesia

no acaso inseguro das manhãs,

na tarde que me visita

e me espera nos jardins

onde flores de papel sorvem

as palavras que dizem da brisa

crispando as águas do rio,

bebendo as pequenas ondas

que desaparecem na areia

Houve um tempo em que tudo era poesia,

madrigais, odes, elegias

Versos inconsúteis

escritos à cinzas

nas páginas da distância

e dos momentos onde sentir

é o escorrer da chuva

no silêncio dissoluto do espinho

da rosa que não há

e o perfume da rosa, esbatido pelo vento,

ondula em teus cabelos onde dorme a noite

O vento argumenta sua quase tristeza,

arremete, debalde, as naus contra os portos,

acorda meus velhos sonhos sonolentos

e empresta-lhes a face de uma lua cheia

de um dezembro que ainda não veio

Há momentos em que sentir

são só estes sentimentos cativos

e estes caminhos cobertos por folhas secas

caídas com o vento e com as chuvas

nas madrugadas onde me esqueci

e me esquecendo

o tempo, possesso,

me resgata deste teatro

e da contumaz mentira

que transforma o meu hoje

em um ontem irrefreável

acumulando-se aurora após aurora

ansiando por ser poesia e liberdade

nestes momentos em que sentir

é o menino jogando as cinco pedrinhas

na praça deserta

antes de decidir morrer

Quando eu me for qual flor brotará?

Branca, vermelha, amarela, lilás, azul...?

Que importa?

As flores brotarão e levarão

o pânico da minha noite

e atearão fogo à minha suposta "poesia"

incorrigível e alquebrada

sentindo o que não sente

virando o mundo às avessas

antes que a aurora refreie

a voz do poeta

e este, então, adormeça