Cansaço

Os pés afundam neste cansaço

Afundam no chão que falseia as folhas

derrubadas pelos longos ventos

que as esquecem

Meus olhos pressupõem o reflexo esbatido da luz

Supõem a noite e uma última canção

Supõem estrelas,

quando a noite se abrir

e por detrás dela a lua se debruçar

por entre o sol e o mundo

Diante destes mares

os pés afundam no cansaço

da areia úmida de silêncios

e de poemas traquinas

e insofismavelmente puerís,

O cansaço se arrasta no tempo,

metáfora inelutável da vida,

vento desbastando as arestas

das sentenças,

fragmentos de palavras

entretendo a minha noite indistinta,

Brinca com teu nome

esta voz em mim que te chama

da greta da janela fechada

por dois traços de lápis cinza

riscados à guisa de tranca,

como as sombras que perduram

no trêmulo espelho das águas

Às avessas restam a tarde

e a chuva caindo como linhas dissolutas

Resta o gesto e o pulsar impreciso

das horas vazando a bruma da noite

que esconde o mar inconcluso

Ante a palavra que não veio

perdi o poema

A brisa passou incendiando

o silêncio

O verso ficou entre os espaços

da página em branco

onde a folha absorve o crepúsculo

incolor

e a ausência bêbada das sombras

douradas que esculpiam

as matas,

a vida,

as pessoas,

os passos nos quais me perdi,

na luta,

na trama,

no sopro,

no barro

onde não vingaram os girassóis

Quem se não o meu cansaço teceria

o que no coração poderia

ser ilusão

ou poesia?

[...]

À tarde o vento soprou, afável

A chuva choveu pouquinho e dispersa

(dispressa)

A noite chegou de improviso

Trouxe lembranças,

algumas perdas,

um breve baque surdo nas águas

e os olhos límpidos de quem

já vê a primeira estrela

nimbada de um sereno fino

Chegaste...

Ó tempo sem volta,

erguido no ar como quem dança

e seca os olhos molhados

no ardor do sonho adormecido

nas palavras do menino:

"Era uma vez uma princesa

no meio de um laranjal..."

[...]

Inicia-se a madrugada

Murmúrio e silêncio

Regressam os ventos

Faz-se a espera

dolente de uma solidão

que pergunte dos meus sonhos

e da espera,

sob a luz enebriante de uma

lua de novembro,

faz-se o cansaço