O tempo não passa

O tempo não passa

neste rítmo miudinho

com que a vida anda

neste espaço que defino

como meu

e que se evola na neblina

densa que acorda as

desmesuradas manhãs

e seus sigilos violados

pela vida que pulsa

estrepitosamente

vasculhando na memória

momentos elididos pela

distância

Cá dentro urdo os fios

dos meus sonhos

canto o meu canto

ressumando a paisagem

e os pequenos botões de rosa

que as gotas de orvalho

matizam reverberando os tons

que dormem na névoa

imóvel da aurora

dissimulada

nas arestas do dia

quando a luz se esbate

desfazendo-se na

imagem refletida no mar

A brisa sutil vinca a areia

esparrama o dia

encanece as sombras

de um futuro

e de vespertinas horas

esboroadas

O tempo não passa

Ao longo da caminhada

fica o talvez

na poeira ígnea

a arder nos caminhos

e no mormaço

que dissolve no ar vacilante

a vida e as coisas

tremeluzindo a monocromia

das sombras de uma primavera

distante

O tempo não passa

e é cada vez mais longe

o imponderável futuro

cada vez mais incerto

o incognocível presente

cada vez mais

perdido no cicio das brumas

o passado

O ar agoniza imerso

na tarde esbatida

pelas réstias de luz

e pela melancolia que

escorre pela luz baça da tarde

O tempo não passa

além da iminência do silêncio

cativo das imarcescíveis horas

transmudando o

palpável horizonte

escoando na brisa trôpega

perpassando a ilha

desvelando morros e encostas

desenhando segredos superpostos

na junção de sombra e luz

suspensos no ar

entre a primavera e o verão

O tempo esmaece e esquece

teus traços

e tudo aquilo que ficou nos versos

de uma poesia tão breve

nas estrofes que as noites diziam

Hoje, ao invés do afeto,

há silêncios e calafrios

e este tempo sardônico

impalpável

que não passa...

não passa...

não passa