FOGUEIRA
Faz tempo.
Era noite de São João.
A fogueira feita pelas crianças da rua formava lindas labaredas.
Naquela época, eu ainda não havia lido livro algum.
Tampouco sabia sobre a simbologia ancestral e mítica do fogo.
Estávamos, meninos e meninas, em círculo.
E eu também nada entendia sobre o significado transcendente dessa representação geométrica e sobre o grande poder concentrado em áreas esféricas: invocações tribais, ritos iniciáticos, cerimônias sagradas...
Aquele mundo multicor e singelo em que eu vivia meus primeiros anos também desconhecia de todo a filosofia oriental.
Yin e Yang eram palavras que nada me diziam.
Nada representavam no meu universo pleno de brincadeiras pueris.
A divisão entre o masculino e o feminino, para mim, naquela noite de São João, era absolutamente simplista: bonecas para as meninas e carrinhos para os meninos.
Só.
É verdade, no entanto, que já me intrigava a capacidade masculina de, rapidamente, aprender a jogar pião ou bola de gude.
De resto, quase empatávamos, ressaltando que ninguém subia nos pés de seringueira com maior rapidez e habilidade do que eu.
Lá estava a fogueira.
Lá estavam futuros homens e mulheres formando um círculo de igualdade incontestável.
Não havia intrigas, guerras sexistas...
Só o calor do fogo e o ritmo doce e inquebrantável das cantigas infantis...
Eu não distinguia signos, psicanálise, religião.
Era apenas feliz.
E sabia.
Goimar Dantas
17/10/2004