E-Mail à Ex-Mulher - 2
É com alegria que venho através desse e-mail
trazer-te as boas novas, após dois anos de absoluta paz e aconchego nesta casa sem ti.
O teu gato, que há dois anos deixaste sobre meus cuidados,
ainda que contra minha vontade - fazendo dele meu gato
acaba de encontrar sua caixa mortuária e última
e jaz agora no quintal, ao pé da pitangueira
Os restos mortais do nosso bichano,
último dos infelizes elos que um dia nos uniram sob um mesmo pronome (“nosso¨)
ora repousa junto com o chiquito, o periquito de estimação,
que um dia ele matou, com garras e dentes
a brincar, felino e contente
tal qual fazias tu, aliás, prepotente, com meu coração
mais que descontente...
Embora não tenhas respondido meu primeiro e-mail, três semanas após a feliz – e sensata - ruptura de nossa vida conjugal,
imagino que o deves ter lido,
e de teus panos, creio eu, deves ter desistido
pois que não vieste a buscá-los,
talvez por medo de com eles teres de levar o gato...
Entre teus panos, figurava aquela tua camisola
a qual ganhaste de tua falecida irmã..
Morto, pois, o gato, dou-te também notícias de tua camisola
que aliás deixaste a repousar no varal
mal lavada e mal estendida
como tudo, cá entre nós, em tua vida
A notícia que dela trago, pois,
é que não servindo mais para pano de chão
ganhou o fogo, acompanhada de duas ou três fotos tuas,
que por mero e infeliz acaso encontrei numa carteira velha
As chamas se deliciaram com ela - a camisola
e ainda mais com as fotos
e eu brindei com ela – a fogueira – o alívio de tua ausência e a delícia daquelas chamas
Brindamos assim:
álcool para ele – o fogo – e vinho para mim
o fogo crepitou mais alto, e ouviu-se o brindar: “tim-tim”
As cinzas – outrora fotos e camisola – ganharam a terra, à sombra da pitangueira
junto aos restos mortais do gato -e do chiquito, o periquito.
Informada estás, pois.
Cumprido está meu dever, único e óbvio motivo desse segundo e-mail.
Caso queiras respondê-lo, peço que muito não te estendas,
visto que hoje aprecio apenas as nobres e edificantes coisas da vida
entre as quais notícias de ti não poderiam pois, figurar-se.
O passado... passou.
Nossa sensata ruptura não me trouxe apenas alívio, mas
serviu também para lavar de minh’alma a ingenuidade da qual muito te aproveitaste
E com sordidez tal, que aqui já não cabe comentar nem desabafar.
Apenas digo que a ingenuidade que houve em mim um dia,
em amar-te um dia,
em tomar-te por esposa, num infeliz dia
jaz, também, ao pé da pitangueira, nesse grande dia!
Com a alegria das almas nobres que não choram seus desafetos, injúrias e desatinos do passado
De ti me despeço, com júbilo e alívio redobrado, pois que o passado, por fim, passou.
Hoje não significas mais que isso: um passado lamentável, e superado.
Mande recordações, pela última vez, àquela que um dia te pariu
e que desafortunadamente por isso há de chamar-te de filha, até o fim de seus dias...
Dela - tua mãe - guardarei uma lembrança respeitosa, visto que aqui jamais apareceu, de quando nos casamos até quando daqui partiste, há dois anos,
a não ser na ocasião em que trouxe de volta o edredom que sorrateiramente contigo levaste, quando de tua partida.
Mande-lhe pois recordações e novo agradecimento
E a ti, deixo meu adeus, com o alívio de quem cumpriu o último dia de pena sentenciada,
após crime não cometido
Adeus, pois.
Sem mais, e cordialmente
O chifrudo