[Cheiro de banho]
A casa tem as altas paredes caiadas de branco,
e do teto sem forro pendem, aqui e ali,
as pequenas e finas malhas das teias de aranha
que rebrilham os lampejos das facas dos raios de sol
vazados pelas várias frestas das telhas.
Do fundo do quintal, vem o distante
e monótono cacarejar das galinhas;
na cozinha, as chamas frouxas iluminam
o fogão de lenha já limpo do almoço;
na copa, a rústica mesa solitária
posta para o café das três da tarde,
o vaso das delicadas e viçosas avencas
sob a cantoneira da talha de água.
Por toda a casa, a incerteza de um silêncio,
e a tepidez misteriosa de um cheiro de banho
que se espalha até a sala da frente.
Paro e espero... o silêncio me corta em finas tiras.
Ela surge da porta entreaberta do banheiro;
eu me desprego do portal da copa, aprumo o corpo,
e ouço, vindo da sua mal divisada figura,
o claro e súbito corte de um aviso:
—"Eu já vou e não sei se volto!"
Depois, ecoa estranhamente duro,
em mim, nos vidros, nos móveis,
o último "clac" da fechadura da porta da rua.
foi o derradeiro aviso de que ela partiu.
[...E por um tempo inextenso, aquele cheiro de banho ficou no ar.]
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[Penas do Desterro, 11 de junho de 1999]
Do meu livrinho "Arribadas( O Passo da Volta)", ilustrado por Paula Baggio