[Momento num Restaurante]
Ao passar pelo balcão de saladas e legumes
tão logo me desviei da bandeja de rúcula,
bateu-me, assim, um pessimismo aterrador,
[talvez causado pelo mau cheiro da rúcula...]
lembrei-me do poema de Manuel Bandeira,
... ...
"Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta."
Olhei as pessoas... vi tudo num lance,
vi a "agitação feroz e sem finalidade",
sem sentido, sem onde, sem norte, sem por quê...
Ah, que dor, que aperto mais pungente...
Senti necessidade de me punir, sim, punir
como se viver fosse uma coisa errada,
sempre vazia, mas carregada de culpas...
Uma expiação? Sim, eu precisava de uma!
E não demorei muito a localizar algo que me maltratasse,
e me fizesse também concluir que "a vida é traição":
Morangos — eu deteesstooo morangos,
peguei quatro metades, pus no pratinho:
duas me bastaram para eu odiar a vida,
e reconcluir que a vida é mesmo feroz!
Mas, esperto que sou, deixei espaço
para uma salvação providencial:
servi-me também alguns pedaços de manga...
ah, doces, doces como o beijo da mulher amada!
Da manga nada restou, mas dos morangos
restaram duas metades cuja foto vos deixo
como prova da minha indignação!
Será que o sublime Manuel Bandeira
comeu morangos antes de escrever
este poema assim,
tão belo quanto pessimista?
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[Desterro, 05 de novembro de 2012]
[A foto dos morangos? Pode ser vista no Facebook!]