VI-CANÇÃO DA TRINCHEIRA

 

 


"Eu não vejo os olhos do meu inimigo."

Soldado: você que ficou até a escuridão sedimentar-se,
descobriu que o amanhecer não mudou nada.
Em nenhum dia acordará e verá nessa floresta
a tua pior dor convertida numa cicatriz no peito.
O que mais poderá esperar do oculto,
senão o que alimenta sua ilusão sobre a cura?

Sua mente prefere a insanidade
para justificar o combate, a espera, a dor....
Nunca viu o amor, senão em rimas desconexas,
nunca viu que as crianças cresceram,
longe de suas futuras promessas.
Fiel é o cão. E a mãe que não se desvencilha
da eterna condição de observadora de sua vida.
Martelam na mente os acordes da marcha,
a que o leva para os campos desconhecidos,
e para o monumento do heroi esquecido.

Em seu clamor por uma medalha no peito,
benzida pela saudade daquilo que não retornará,
enxerga nas ruínas de casarões e edifícios,
um pedaço improvisado de seu antigo lar.
E no delírio da febre e do desespero,
é que surgem as carruagens e os jardins,
as anáguas esvoaçantes e as teclas de marfim.
E as teclas libertarão de sua boca ressequida,
o fervor de um ódio que tu pensas ser redenção...
mas não...isso não é música, é condenação.
E enquanto rente à sua pele passam os projéteis,
enquanto outro sangue mancha sua farda,
você quer apenas rir, apenas se deixar matar....
porque empunhar o portador da morte,
tem o peso de centenas de corações partidos,
e o gosto insano do dever cumprido.

Enquanto ora, enquanto se perde à distância,
perde-se também a reza que há pouco ouvi,
em lábios quase desesperados:
Obrigado, Senhor...por hoje, sobrevivi.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 05/11/2012
Código do texto: T3970491
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