Memória
Todas as tardes eram iguais.
Tardia.
Cada tarde, uma tarde.
Só tarde.
Tardes ímpares.
Jantar cedo.
Comida feita no fogão a lenha.
Sobremesa na ameixeira.
A cadeira era a gangorra.
Às vezes,
abacate amassado com açúcar
na própria casca.
Anoitecer
com brincadeiras na varanda:
lentamente o Sol,
cansado do dia,
ia dormir cedo.
A noite chegava tranquila,
acalmada pela “ave-maria”
de todas as rádios.
Era mais do que uma reza.
Melancolia.
Era sinal:
estava chegando a hora
do rádio ser silenciado.
A televisão falaria.
Aglutinávamos na sala-de-visita
transformada em sala-de-espetáculo.
Esquecíamos de nossas vidas
para viver o drama dos outros:
riamos e chorávamos;
entristecíamos e alegrávamos;
realizados e frustrados.
Experimentávamos todo tipo de emoção:
catarse.
Fim do dia.
Início da noite.
Agonia.
Leonardo Lisbôa – Bcena, 31/10/2000
POEMA 829 – Caderno: Amor Dormido e Sonhado.