Memória

Todas as tardes eram iguais.

Tardia.

Cada tarde, uma tarde.

Só tarde.

Tardes ímpares.

Jantar cedo.

Comida feita no fogão a lenha.

Sobremesa na ameixeira.

A cadeira era a gangorra.

Às vezes,

abacate amassado com açúcar

na própria casca.

Anoitecer

com brincadeiras na varanda:

lentamente o Sol,

cansado do dia,

ia dormir cedo.

A noite chegava tranquila,

acalmada pela “ave-maria”

de todas as rádios.

Era mais do que uma reza.

Melancolia.

Era sinal:

estava chegando a hora

do rádio ser silenciado.

A televisão falaria.

Aglutinávamos na sala-de-visita

transformada em sala-de-espetáculo.

Esquecíamos de nossas vidas

para viver o drama dos outros:

riamos e chorávamos;

entristecíamos e alegrávamos;

realizados e frustrados.

Experimentávamos todo tipo de emoção:

catarse.

Fim do dia.

Início da noite.

Agonia.

Leonardo Lisbôa – Bcena, 31/10/2000

POEMA 829 – Caderno: Amor Dormido e Sonhado.

Nardo Leo Lisbôa
Enviado por Nardo Leo Lisbôa em 05/11/2012
Reeditado em 05/11/2012
Código do texto: T3969663
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