Meu saci

Meu Saci

Há dias em que meu saci troca de pernas

Se embaralha em pés alheios, se faz ao chão,

Retorna vento em rodopio louco de pedra

Cachimba a brasa incensando a escuridão.

Há dias em que meu saci se faz de bobo

Leva pernadas que até zéfiro duvida

Se encolhe em cantos, assobiando entre prantos

Quer novos pares com os quais a sina divida.

Há dias em que meu saci sai no terreiro

Dança com as bruxas que saltitam no jardim

Abraça as ninfas, dá rasteira em gnomos,

Espera a noite pra lambuzar-se em carmim.

Há dias em que meu saci canta de galo

Quer me dizer o que fazer, mandar em mim

Troca suas ordens quando quer, me faz um tolo

Acha que em meu coração impõe-se assim.

Há dias em que meu saci nem se levanta

Dorme até tarde, preguiçoso como só

Deseja que rapidamente faça noite

Suma-se o dia e sua lembrança seja pó.

Há dias em que meu saci pega pesado

Tira meu senso, viro pônei sem bridão

Me perco em pouco, me embaraço, desatino,

Por mais que tente não percebo meu quinhão.

Mas há dias em que meu saci não me aguenta

Eu lhe derrubo de tanta imposição

Quero que faça tudo aquilo que preciso

Salto de banda, perco o freio e a direção.

Há dias então que meu saci quer se mandar

Acha-me louco e sem sentido o meu viver

Não saca as lutas todas do meu cotidiano

Mas fica e soma inda que seja sem querer.

E nesses dias de pressão que o coloco

Meu saci pula e quer voar, ir alto, então,

Quer ser quem faz o meu caminho e me mudar

Diz não suportar mais levar porrada não.

Digo prá ele: devagar que sou de barro

Mas se fugir o caço e roubo seu cachimbo

Faço mandingas com seu pito e sua touca

Deixo que então, saci sozinho, fique ao limbo.

E ele volta a entender que somos um

Eu, meu saci e todos outros meus “diabinhos”

Nos completamos e quando há festa, festejamos

Não existimos se nos deixamos sozinhos.

Em noite de amor amamos todos, por inteiro

E se odiamos incendiamos todo o mundo

Se a guerra é boa, a fazemos sem descanso

Querendo a raiz que se oculta mais ao fundo.

Enfim, entre nós não há nunca fuga possível

Unha e carne, somos unos, e nos sustentamos

Se fingimos não nos vermos somos meio

Do completo que se faz quando, então, nos encontramos.