Fênix
Incabível
O assassinato se faz em praça pública.
Em nome de deuses bárbaros ou de perniciosos santos
Fundem-se os cheiros de sangue ardente e sândalo
Numa embriagadora volatilidade
Que sublima matéria em espírito,
Madeira em cinza,
Luz em sombra,
Episteme em doxa.
Insaciável
Arde a fogueira a consumir corpos e almas.
No ar, labaredas carregam o perfume das brasas e peles em chamas
Anunciando o fim de mais uma história:
De mais um canteiro revirado,
De mais tantos outros partos não feitos,
De tantos outros fantasmas expurgados,
De tantas maçãs envenenadas não comidas.
Indomável
Gargalha através das chamas a espectral figura.
Ressoa longe seu frouxo riso evocando mistérios ancestrais.
Lembra a risada aos que a ouvem
Do que se esvai com a fumaça:
A cura das dores,
O cheiro das ervas,
A cicatriz das feridas.
Indestrutível
Revela-se o ser envolto em flamas.
Enganam-se o carrasco e seus mandantes que a desinfecção se fará.
A fogueira, onde ardem desejos inconfessos,
Faz-se palco do amor entre brasa e carne,
Assiste ao gozo mais fértil
D’onde esperma-cinza e óvulos-ninfas
Recriarão o altar da vida.
Interminável
Gira de novo a roda da existência:
Calam bruxas, nascem fadas; matam duendes, nascem elfos.
Aspirando as sobras do fogo animam as fênix
Que ressurgem a cada dantesco espetáculo do terror.
Volta o incenso pelos ares,
Voltam os perfumes ervados
E a sensação de mundo curado.