Palavras sem nome

Procuro entre lembranças

e verbos

e substantivos

e pronomes

e presságios

o signo que me traduza

Procuro entre ladrões,

marginais,

rufiões,

prostitutas

e poetas

sinais que me digam

de um pequeno milagre que seja,

que me digam da alma que não se acalma

e perene busca o fogo imarcescível da vida

Respigo palavras que

a brisa traz nas estórias

adornadas por nexos de fins de tardes

e os inefáveis crepúsculos vermelhos violetas,

nódoas na consumação dos dias transfixos

Busco a palavra preexistente ao sonho

nomeando o meu desassossego

e esta lágrima que me põe aqui sentado

com a alma a auscultar a semântica

do vento susssurando no bambuzal,

nas águas encrespadas do rio

que escorrem da minha boca seca da tua saliva

mistério

melodia

sabedoria

só a sede

até que eu seja apenas criança

como naquele retrato em branco e preto

e a palavra perpasse o meu coração

como as tardes acordando as noites

tangendo o vermelho do céu

pingando a primeira estrela

e nas sombras que as noites deixam escapar,

resplandecente, uma lua de porcelana

No caminho de casa vaga-lumes sugerem

poesias de grande sentimento

e o abafado som dos fragmentos de um cantochão

reverbera nos olhos verdes de Deus

Muitas coisas no mundo são assim

feito palavras escondidas,

intrigantes,

sorvedouros sobre as areias brancas das folhas

feito o amor que não chega

feito a imitação da vida

feito as horas passadas

horas por horas tão igual a nada

tão iguais às vidas levadas pelos redemoinhos

convergindo para um mar onde

as rumorosas marolas

entoam elegias e mantras ao medo,

ao menino

E ao choro que alguém em mim chora,

derrubando em mim bagas de lágrimas

de uma dor sem origem

que não sei o que é,

o que dói,

de onde vem,

não tenho nem certeza que exista,

a dor

pois que tudo vive sobre o poder da palavra,

tudo é nome,

tudo é símbolo,

e o que eu não digo eu teço eu sinto

em inocentes sonhos que se afeiçoam a mim

esperando que eu lhes dê nomes e formas,

indubitáveis qual uma criação Divina

E, então, a brisa que entra pela janela apagará

as sombras verdes de antes da chuva

O que não vejo nem sinto me é inomimado

como quando olho o céu à noite

qual nome lhe dar que já não seja insuficiente?

Depende da noite

depende da compassividade do meu olhar

da lembrança dos teus olhos,

da lembrança no meu coração

Ai, menina,

contigo aprendi as palavras mais doces,

as mais profanas,

absolutas,

inconclusas,

plangentes,

a mais preciosa

e incomensurável: amor

e agora, esclarecido, já posso me deixar morrer