Nosso Legado
A pele cansada
De tanta porrada
Vida amargurada
De tanto apanhar.
Meu corpo sangrando
Minha voz bambeando
De dor estou gritando;
Só estou apanhando
Porque preto nasci.
Sou pior que índio
Pior que pardo
Pior que mulato
E que branco também
Eu sou um escravo
Vivi enjaulado
Sendo dedurado
Sendo castigado
Sendo amarrado
Pois eu sou parente
De Cã e Caim...
Foi isso que disseram pra mim.
No navio negreiro
Vi o desespero
Rasgando meu peito
Tirando o sossego
Tirando a esperança de um dia
Ser feliz.
A criança escrava
Não tem uma casa
Só tem a senzala
Para poder crescer
Daqui a alguns dias
Vai está chorando
Fazendo o homem branco
Ficar mais feliz.
A pele ofuscando
De sangue jorrando
De hemorragia
Vai quase morrer
Não vai morrer porque
Preto é forte
Tem sangue nas veias
Saúde de sobra
Pra dar e vender.
No 13 de maio
Ficou registrado
Que o preto ou mulato
Podia ser feliz
Pensei que pudesse
Mais a minha espécie na sociedade
Só pode ter vontade
De ser infeliz.
Meu corpo suspira
Por muita vontade
De ter liberdade
Pra poder dizer:
Sou preto, sou forte
Mais forte que a morte
Com Deus ao meu lado
Só tenho a vencer.
Nas minhas entranhas
Estão encravadas
As mágoas passadas
Que nunca passou
Minha raiz Africana
Mais forte que cana
Na minha lembrança
Só tem a esperança
De um dia voltar.
Vim parar aqui...
Pra pagar meus pecados
Viver enjaulado e
Só apanhar.
Se pudesse fugir
Já teria fugido
Cadê o respeito?
Com preto, não tem!
A minha overdose, pela liberdade
Não é vaidade
A sociedade
Não quer me entender.
Sou gente humana
Não sou só pra cana
Preciso de grana
Pra sobreviver.
Sou a classe mais baixa
Que tem muita garra
Que pega na enxada
Pra poder comer
Porém por enquanto
Só estou alimentando
A doce vontade de
Viver com justiça
Viver com igualdade
Mudar a realidade
Que gente não sou.
O nosso legado
Já deixou marcado
Que o nosso fardo
É ser torturado
Pagar por pecados e erros
Que não cometemos
Mas se for preciso
A ferro e fogo
A nossa historia
Iremos mudar
Mudar pra melhor
Porque pra pior
Já tem nossa herança
Pra a gente lembrar.