PALAVRA ESCRITA

por palavra escrita que não é falada

já trabalhei dias e dias na enxada

até acordei de madrugada

imaginando mulher pelada

tantas vezes relaxei tomando uma gelada

mas também já tive de catar lixo

depurar renitentemente o melhor sufixo

sem apelar para Deus ou crucifixo

tive que matar com o pé um estanho bicho

tremer de frio ou carrapicho

e ser obrigado a ouvir muito bochicho

certa vez entrei numa de copeiro

atravessei esgoto entrando por bueiro

quase vendi um poema a um jornaleiro

quando ainda levava uma vida de maconheiro

mas o fato é que, na verdade, por dinheiro eu não escrevo

escrevo por prazer, por necessidade e por algo como enlevo

por que somente a mim mesmo é que essa poesia eu devo

seja ela em letras mal feitas, belas, feias e até em alto relevo

por palavra escrita já fiz de quase tudo

até já me fiz de mudo

e depois extravasei em grito agudo

falei tanto que cheguei a ficar rouco

cheguei declamando como um louco

e todos estranharam, pois falo pouco

mas ás vezes fujo desta palavra

e me escondo como a unha que na carne se encrava

e o covarde que a batalha não trava

Morpheus