O VENTRE DA TARDE CIGANA

A primeira vez que vi a poesia,

ela estava no céu disfarçada de crepúsculo.

Nuvens e raios de sol davam-lhe ares de cigana

sedutora, daquelas vestidas com longas saias rodadas, vermelhas.

Era 1974.

Mas aos dois anos de idade,

nenhuma cigana-crepúsculo era tão terna e quente quanto

o calor da mão da minha mãe –

que me guiava pelas vias de Uberlândia, nas Gerais.

Porém, a tarde cigana, vaidosa, não se deu por vencida.

Queria mesmo se eternizar na mente da menina.

De um golpe só, levantou a saia faceira

e me deixou ver, na curva de uma esquina,

a figura de meu pai.

Inocente da trama orquestrada pela dama vespertina,

o jovem Pedro vinha em nossa direção.

Pingo de gente independente,

corri para abraçá-lo e me fundir àquela pintura de pôr-do-sol

– o mais rápido que me permitiram a idade,

as perninhas curtas

e as sandalinhas de couro branco.

Pronto...

A imagem fora eternizada.

Nascia, do ventre da tarde cigana,

a minha recordação mais antiga.

Emoldurada, na tela eterna... Da poesia.

Goimar,

São Paulo

19/09/05

Goimar Dantas
Enviado por Goimar Dantas em 27/02/2007
Código do texto: T395148