Abro a janela

Abro a janela da antiga casa

os olhos caminham demorados pelo quintal

as flores ainda estão no pequeno canteiro

cravos vermelhos e brancos,

rosas, antúrios,

os pequeninos pés de maria-sem-vergonha

sempre estiveram ali

desde a partida

desde as voltas dos anos

as dobras da vida

O mesmo sol machucado

espalhando-se do muro pra casa

para se acabar de vez pelos caminhos

dos telhados

desmaia a luz

morrendo lá pelo final da rua

deixando na vida este cheiro de noite

trazendo no abandono exausto

diferentes solidões

Volto à antiga casa

o murmúrio solto da chuva me chama

uma chuva fininha que desce e avoa

antes de chegar ao chão

como sonho de menino

como um sonho que eu perdi

como uma tristeza que caía assim,

à toa

infindável

uma tristeza tão quieta

tão insuspeitada

tão minha

Minha mãe cantava antigas canções

enquanto punha a roupa para quarar

depois da água com anil

Cançoes com o mesmo cheiro

de terra depois da ânsia das chuvas

de flores úmidas dos enredos das manhãs

acordando do sonho que se desprende da noite,

mansamente,

como o perfume bordado à aurora

que se esvaece ao sol,

diáfano casulo,

estrela flutuante,

brilhando num céu inventado

pela alegria dos meninos

O passado descansando

no gravetinho do ramo de uma outra vida

que logo se perderá de mim

levando as horas

com as quais te imaginei

todos estes anos

Me calo,

ensimesmado

Sonho-te,

menina das tranças negras

Linda,

te recrio,

como se eu soubesse

que na antiga casa

a poesia teria o teu nome

molhado nas flores da fantasia,

no eterno tempo do amor